Friday, October 20, 2006

HA VINTE ANOS...ainda as crianças...



Em resposta a um desafio lançado pelo bom Alquimista porque é muito importante e porque é responsabilidade de todos nós... e porque este texto da ROSARIO reflecte a realidade que se passava tambem em Avelas de Ambom...

Há vinte anos...
Eram putos reguilas e atrevidos, de modos rudes, endurecidos por todo o tipo de privações, a pele curtida pelo sol e pelo frio. Usavam uma linguagem vernácula e agressiva, com uma terminologia soes, trazida de casa e das ruas, e cujo significado não podiam perceber. Muitos nasciam como coelhos selvagens, eram feitos e paridos pelos montes, desmamados à pressa e entregues aos cuidados do acaso. Conheciam os caminhos dos montes, as tocas dos lobos, as árvores e os penedos onde os pássaros nidificavam e os seus chamamentos, sabiam de cor os locais do rio a evitar. Sabiam como caçar coelhos bravos e perdizes, usavam fisgas e espingardas de pressão de ar para matar pardais, no rio pescavam peixes e caranguejos. Logo que possível eram-lhes entregues responsabilidades e trabalhos de adultos, tratar dos animais, levar as ovelhas, as cabras e as vacas para os montes, apascentá-los antes da escola, ir recolhê-los depois das aulas, escavar a terra, arar. Tinham olhos agudos entalados em rostos angulosos, as narinas sempre muito encieiradas e obstruídas por um ranho esverdeado e muito espesso que limpavam à manga da camisola. Envolviam-se frequentemente em rixas provocadas por disse que disse e por complicados jogos de aferição de forças, comandados pelo instinto primordial da sobrevivência do mais apto. Quais eram os nossos sonhos? Pertencíamos a uma geração perdida entre um passado marcado por misérias e um isolamento agreste e o vislumbre de outras realidades e de outros horizontes. Sonhar era um luxo que não nos era permitido. Qualquer demonstração de sonhos que se projectassem para além da realidade que era a nossa era esmagada com uma ferocidade acintosa e calcificada dos mais velhos. Era talvez uma espécie de protecção, um muro construído pelas próprias frustrações e pela constatação amarga que não se era mais do que pó que a terra dominava. E que qualquer tentativa de ter uma vida melhor era abrasada pela violência da realidade. Qual era o nosso futuro?...Hoje, no século XXI continua a ser verdade, algures num outro ponto qualquer do globo. Fome, maus tratos, violência, abuso, exploração são realidades presentes nas vidas de inúmeras crianças. Apenas com o equivalente a três ou quatro cafés por mês, a
UNICEF pode fazer uma criança sorrir (aqui é possível o donativo ser retirado directamente do salário, e fazendo a entidade empregadora dar parte do montante! eheheh!). Pensar no assunto apenas não chega... ajude hoje uma criança. Pelo direito a existir. Pelo direito a sorrir. Pelo direito a sonhar!
posted by Rosario Andrade at 11:08 AM 8 comments


6 comments:

Era uma vez um Girassol said...

Olá Avelana!
Este post dirigido às crianças maltratadas, com texto da Rosário, tocou-me profundamente, como quando oiço notícias ou vejo imagens chamando a nossa atenção para este grave problema.
Muito bom!
Beijinho

Unknown said...

Excelente texto e parabéns à Rosário.

DE-PROPOSITO said...

Um acaso trouxe-me até aqui. Talvez os vossos chás deliciosos, e se lhe misturarmos um pouco de leite, então nem digo nada. É claro o chá tem que ser feito com muitas plantas, para ficar aromático.
Não conheço essa povoação, mas apercebi-me que fica no distrito da Guarda.
fica bem.
Manuel

Unknown said...

Acho que é um tema eterno... ou pelo menos enquanto não evoluirmos.. fico olhando minha pequena no colo e ler coisas assim me tocam profundamente...

greentea said...

vi este texto na rosario, acho excelente.
Era assim em quase todas as aldeias , antes de irem para a escola as crianças faaziam toda a especie de trabalhos, por isso se tinham tantaos filhos...

bettips said...

Obrigada pela tua opinião. Tu tens a natureza no teu caminho e, talvez, no teu sangue. Gostei do teu blog, tão actual e tocante. Abç